Sangrado Livre (Free Bleeding ), o que é?

Respondendo às questões das Confreiras:
Ouvi falar do sangrado livre como método de higiene intima durante a menstruação, o que é concretamente? 
Bj*
Tatiana
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Enquanto escrevia este artigo, uma amiga facebookiana publicou um artigo (confesso que acho um pouco aparvalhada e deseducativa a forma como este texto esta escrito) sobre sangrado livre perguntando o que achávamos sobre o tema. Perante a expressão “sangramento livre” e as fotos que normalmente acompanham os artigos que falam sobre o tema imaginamos uma mulher completamente suja de sangue, com as pernas a escorrer e a deixar um carreiro de sangue por onde passa, certo?

“Olho para isto e pergunto- me o porque farão isto.... Não sinto que precise de andar com o sangue a escorrer- me para honrar o meu Sangue e essa fase do meu ciclo...”

“Para mim o texto, tal como já disseram... enfim...
Acho a ideia/atitude meio drástica, de forma a chocar... não sei até que ponto será benéfico para os fins. (…)”

Antes de continuar quero esclarecer que acima de tudo o importante (na minha opinião) é que cada Mulher deve sentir como lhe faz sentido viver esta fase.

Dito isto, não podemos esquecer que são muitos os séculos a ocultar e a rejeitar a menstruação, o que faz com que não seja simples reconhecer que o “sangrado livre” era a forma na qual antigamente menstruavam as mulheres na nossa tão globalizada terra (e urbanizada) e na qual actualmente ainda há mulheres no mundo que o continuam a fazer, mulheres que não perderam a união com a Terra e com sigo mesmas.

Nos últimos anos muitas mulheres começaram (ou voltaram) a usar métodos de “higiene” feminina alternativos como os pensos e tampões orgânicos e biodegradáveis, as esponjas marinhas, os pensos de pano, o copo menstrual ou nada. Nada de nada. Tal e qual como estas a ler.

O “sangrado livre” é uma técnica com base no autoconhecimento do nosso corpo, com base no ouvir o nosso útero até ao ponto de saber quando é necessário expulsar o nosso sangue menstrual. Eu vivo assim a pouco mais de um ano (mas as vezes por motivos externos utilizo pensos de pano ou orgânicos/biodegradáveis) o que me permite estabelecer uma conexão profunda com o meu corpo.

Colocamos a nossa atenção no nosso útero, nas suas contracções, em como se abre o nosso colo do útero, em como flui o nosso sangue e assim podemos recolhe-la para um recipiente e deixa-la na terra, tal e como faziam e fazem as mulheres caçadoras-recolectoras.

Com os pensos de pano (e com o copo menstrual, claro!) também é possível fazer esta entrega a Terra, são simples de utilizar e de lavar e também nos permitem ter consciência da nossa necessidade de ouvir e mimar (e dar resposta) o nosso corpo quando estamos na fase menstrual. O simples facto de ir a casa de banho e ver o nosso sangue, ajuda-nos a não esquecer de que o nosso corpo esta num momento de descanso. Por outro lado, as contracções do nosso útero ao soltar o endométrio são mais efectivas quando não temos nada dentro da nossa vagina, com os pensos de pano permitimo-nos esta liberdade de fluir para além de recolhermos o nosso sangue, basta coloca-los depois num recipiente com água natural, simples e fria.

Voltando ao “sangrado livre” e porque é que ele é visto, actualmente, como a uma forma radical para nos permitirmos esta liberdade de fluir em plena conexão com o nosso corpo na fase menstrual.

Comecemos pelo princípio.
O que nos faz questionar esta opção é a crença errada da quantidade de menstruação que o útero expulsa, ou seja, esta quantidade nem é tanta como achamos e não sai a pressão e sem controlo como se fosse uma torneira aberta. Na verdade podemos controlar a saída da menstruação tal e qual fazemos com a urina, só precisamos de prática e paciência. Desafio-vos a parar e a observar as reacções do vosso corpo e a aprenderem com elas e depois conseguir prevê-las. Tenho a certeza de que já foram capazes de saber quando vos ia descer a menstruação porque foram conscientes da sensação que temos no baixo-ventre, certo?

Quando comecei a tentar conectar com o meu corpo, a ouvi-lo fi-lo em casa (é o melhor para as primeiras vezes), permaneci sentada sobre uma toalha para prevenir as manchas não desejadas.

 (…)Adoro a ideia de menstruar livremente, e só não o faço porque é desconfortável e mancha as cadeiras. (…)

Depois permaneci “alerta”, ou seja, coloquei toda a minha atenção no meu corpo e naquilo que ele e principalmente o meu útero me diziam. O útero avisa sempre, nós é que nem sempre o ouvimos!

Quando esta pronto para esvaziar, geralmente temos vontade de urinar, mas sem a urgência habitual. Se dermos ouvido ao nosso corpo e formos a casa de banho fazer xixi e observarmos vemos que soltamos sangue. Outro aviso é uma sensação parecida, é a “dor” que temos na zona baixa do ventre e que é própria dos dias de menstruação, quando essas cólicas surgem fazemos exactamente igual, vamos a casa de banho e recolhemos/expulsamos o sangue. Também é comum sentir que o sangue começa a gotear, se nos dirigimos rapidamente a casa de banho chegamos a tempo de recolher/expulsar o sangue. A única coisa que devemos ter presente é que temos de tenar relaxar todos os músculos do corpo, principalmente a boca e a vagina (ambas relacionadas entre si).

Agora é momento de dizeres:
- Fogo, assim tenho de ir a casa de banho de 10 em 10 minutos?

É provável que nas primeiras vezes sintamos que temos de ir a casa de banho de 10 em 10 minutos, pois habituar os músculos é um processo parecido ao que passamos quando eramos pequenas - aprender a controlar as fezes e a urina. Pouco a pouco seremos cada vez mais conscientes de como se contrai o útero para expulsar o endométrio.

Claro que o “sangrado livre” não é uma prática adaptável a todas as situações da vida moderna, nem é necessário que todas as mulheres pratiquem este método, como também não é necessário ir a todo lado sem nada, na minha opinião o mais importante é tomar consciência e saber que há muito mais para além daquilo que nos contaram e como já disse acredito que o mais importante é que cada Mulher sinta como lhe faz mais sentido viver esta fase.

O sangramento livre é uma boa forma de sermos conscientes de como o mundo onde vivemos nos vai distanciando do nosso corpo até ao ponto de nos fazer acreditar que as nossas experiências corporais não encaixam nele. Estabelecer diálogos com o nosso útero ajuda a compreender o nosso corpo e a entender as suas necessidades, que são simplesmente as nossas necessidades. Conhecermo-nos e aceitarmo-nos é o primeiro passo para mudar o mundo.

Para mim o sangramento livre foi muito além do recolher o meu sangue e entrega-lo a terra, pois deitar fora o nosso sangue menstrual é um gesto de ignorância (que eu também já o fiz e não tem mal, não vamos arder no inferno por isso!). O que eu estou a tentar dizer é que o nosso sangue menstrual não é lixo e por isso não pode ser tratado como tal. O nosso sangue menstrual contém células mãe regeneradoras, falei disso neste artigo.

Como estava a dizer, praticar o sangrado livre foi, para mim, muito mais do que recolher o sangue e oferta-lo a terra (nutrindo os vasos e canteiros cá de casa), foi muito mais do que menstruar sem produtos químicos de “higiene” íntima. Foi muito mais que criar com ele um tónico para o cabelo ou uma máscara facial para as impurezas como partilho convosco no Curso de Ginecologia Natural. Foi acima de tudo aprender a reconhecer as sensações que nos indicam que o útero quer expulsar a menstruação e assim poder fazê-lo onde (eu) quiser, em casa, no campo, no trabalho… Foi muito mais do que deixar de usar ‘fraldas menstruais’! Contudo, confesso que amo os meus pensinhos de pano e tenho um óptima relação com o copo menstrual.

A relação com  a minha menstruação mudou por completo. Aos pouco fuiMe apercebendo em que momentos é que o fluxo menstrual aparecia e nos movimentos e sensações que estavam associadas. 

Foi uma aprendizagem lenta, contemplativa e intuitiva depois toda a informação que ia recolhendo sobre o meu corpo, sobre mim, relacionava-se entre si praticamente sozinha e fui criando um diário menstrual brutal! Cheio de informação e poesía.  
Hoje, posso-vos dizer que uso os pensos de pano para evitar alguma pequena mancha e o copo menstrual quando saio e sei que vou ter que estar concentrada em tarefas que não me permitem prestar tanta atenção e tempo ao meu corpo.

Como mencionei nas linhas anteriores o sangramento livre implica ouvir a zona baixa do ventre e mover de forma voluntaria a musculatura para expulsar a menstruação. Por isso, esta forma de viver a menstruação ajuda a tonificar a musculatura genital e a aprender a move-la com consciência o que repercute favoravelmente na nossa saúde, ajudando:
  • A diminuir a ‘dor’ menstrual;
  • A aumentar o prazer sexual e os orgasmos;
  • A melhorar o parto;
  • A evitar os efeitos secundários[i] dos produtos de higiene íntima comuns.


Para além disso é o método mais económico, ecológico e saudável que conheço.

Mas sabem qual foi a consequência de praticar este método mais importante de todas (para mim)?

Foi que me obrigou a parar... a diminuir o ritmo. A centrar a minha atenção em mim (nos primeiro dias de menstruação evacuamos mais sangue menstrual). A fase menstrual é uma fase que precisa de pausa e recolhimento e praticar este método ajudou-me a respeitar esta necessidade tão própria desta fase do ciclo e que tão facilmente passamos por alto (e a qual a sociedade não respeita nem dá espaço).

E tu atreves-te a experimentar? O que achas-te da ideia?
Adorava saber a tua opinião, aqui em baixo nos comentários.



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[i]  Entre os efeitos secundários estão o choque tóxico e os problemas de fungos e infecções devido ao enfraquecimento da mucosa vaginal que causa o uso de tampões e pensos convencionais. 


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2 comentários:

  1. Adorei este texto!

    Não conhecia o movimento sangrando livre.. nem tinha a consciencia que podia controlar o fluxo de sangue, embora cá dentro soubese isso.
    Obrigada por me relembrares de tantas coisas :)

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