25 de... Violência e Culpa

O QUE NÃO É NOMEADO NÃO EXISTE



As notícias mais recentes e mediáticas do nosso país mostram o olhar velado sobre a violência de género/machista contra a mulher. 


“Uma advogada que defendia uma mulher num processo por violência doméstica foi morta de forma violenta pelo marido da cliente.“, esta noticia por exemplo não é analisada também pelos meios de comunicação, desde a perspectiva da violência de género e sim apenas mencionando os perigos aos que os advogadxs estão expostxs. 

“Homem matou a sogra e o uma tia da ex-companheira. Disparou também sobre a ex-mulher e a filha que estão hospitalizadas.”, este homem continua a monte e os meios de comunicação realçam o perigo para a população quando o alvo deste senhor é apensa um: a ex-mulher. A sua “loucura” não o fez atirar no padeiro ou na peixeira e sim na ex-mulher e nas mulheres próximas dela que provavelmente a acolhiam e defendiam dele (a mãe dela, a tia e a filha). Se há uma lista, provavelmente será de pessoas que apoiavam a vítima e repudiavam a sua atitude de violência contra ela. 

Sempre que ouço falar da violência de género, da violência contra as mulheres, é de forma politicamente correcta ou cheia de panos quentes ou com um sentimento paternalista (um dos piores sentimentos que podes ter frente a esta problemática) … acho que esta forma de falar sobre esta problemática espelha a dificuldade que a nossa sociedade tem em reconhecer que este conflito não é um conflito de uma determinada família ou de um casal e sim um conflito de uma sociedade inteira mas que não assume isso!

A violência de género é a expressão mais extrema da discriminação que as mulheres sofrem e esta expressão violenta de descriminação não é encarada como um problema colectivo e social e sim individual… talvez seja assim encarado porque é demasiado complexo e não logramos compreender as causas dessa violência e por isso socialmente arranjamos desculpas para esta violência, basta estar atentxs aos meios de comunicação e a sociedade que atribuem a violência de género a causas como a loucura, as explosões emocionais, a episódios de transtornos psicológicos transitórios, ao alcoolismo, as drogas… A tudo menos a realidade cultural, social, educativa e inclusive religiosa em que vivemos.

Mas a verdade é que esse homem com problemas depressivos que teve um surto de violência ou esse alcoólico que se tornou violento não matou o porteiro nem o vizinho, matou a sua mulher!

Porquê?

Pensando nisto compreendi que talvez para que a sociedade compreenda as causas da violência contra as mulheres e perceba que não é um problema individual e sim social (de todos) temos que quebrar os silêncios (fala-se da problemática mas com silêncios), temos que nomear verdadeiramente as coisas e deixar de as esconder.

Num primeiro momento as mulheres escondemos as nossas histórias por medo ao agressor e depois por vergonha, é fácil perceber esse sentimento de medo (somos vitimas de violência e sentimos que ninguém nos protege), mas e a vergonha? Se somos vítimas porque é que sentimos vergonha?

A complexidade do assunto leva-me a outra pergunta para começar a desmaranhar esta minha reflexão: Porque é que um agressor é capaz de maltratar e perpetuar os maus tratos?
 
Os motivos são claramente culturais/educacionais e estão relacionados intimamente com a posição desigual entre homens e mulheres ao longo dos tempos nas relações de casal e essa posição desigual tem como consequência uma relação de poder, de abuso, de controlo, ou seja, o agressor acredita que a vítima é de sua propriedade, pertence-lhe e pensa que pode fazer com ela o que quiser. A mulher vítima de violência de género transforma-se num objecto nas mãos de um agressor que acredita que pode dispor da sua própria vida, da sua integridade, da sua dignidade e tudo isto se prende intimamente com a educação que se proporciona as mulheres… com a resignação (esse atributo “feminino”).

As mulheres somos educadas para suportar e temos sido responsabilizadas pela qualidade das relações afectivas e de casal. As mulheres sentem-se culpadas e isto é muito difícil de compreender e de fazer compreender, porque é que uma mulher além de se sentir vítima se sente culpada?

Sentem-se culpadas pelos mesmos motivos que sentem vergonha… As mulheres sentimo-nos culpadas porque a sociedade nos colocou nas mãos (e nas costas) a responsabilidade do êxito nas/das relações afectivas… quantas vezes não ouvimos dizer que para que o casal funcione tudo depende de que a mulher seja experta e habilidosa e saiba “levar as coisas” ou seja saiba “levar o homem” e mante-lo satisfeito, realizado….

As mulheres temos sido educadas para suportar e temos sido responsabilizadas do fracasso dos nossos relacionamentos… por isso aguentamos situações humilhantes e de violência na esperança de que algo mude, de que ele mude e que a relação funcione e assim sermos aceites e “validadas” pela sociedade que espera que sejamos mulheres…

A partir destas características e papéis de género definidos, encontramos mulheres vítimas de violência machista que podem manter as suas relações devido aos padrões atribuídos ao seu género:
-por depender emocionalmente dos seus companheiros (vinculando o apego e o enamoramento a novela romântica),
-por pena quando eles sofrem algum problema (priorizando o cuidar do outro antes de si mesma),
-por pensar que há que aguentar e ser forte (sobrevalorização da abnegação),
-por culpa e sensação de vazio após a perda, etc.

Também relacionado com as diferenças de género encontra-se a dependência económica, pois apesar de toda a emancipação ainda há muitas mulheres que continuam afastadas do mercado laboral para assumir o papel de cuidadoras/mães e por isso não se conseguem ver como independentes para viver sem companheiro.

Na mulher maltratada a quotidianidade é a violência. O tempo é marcado pela presença ou pela ausência de agressões. A única realidade é a que é marcada pelo agressor e a realidade deste é um sistema de crenças, de explicações de causas e consequências sobre os acontecimentos quotidianos e os motivos que, na opinião dele, justificam a violência exercida.

Os picos de maior violência, o processo de desqualificação mantido, o reinício do ciclo de violência e a confusão de emoções (surpresa, medo, culpa, vergonha) dentro de um entorno isolado facilitam que a mulher (e a sociedade) acabe por assumir a realidade que lhe é imposta pelo agressor.

Para a erradicação deste problema social/global (não é um problema das mulheres ou dos casais/famílias, é um problema de todos) devíamos agir desde diferentes áreas:

- Através da educação. Desde a pré-escola até a educação de adultos, integrando programas de equidade entre os seres humanos.
- Através dos meios de comunicação. Os meios de comunicação deveriam de informar protegendo as vitimas e isolando e repudiando o agressor.
- A sociedade em geral devia actuar de forma solidaria com as vítimas, não minimizar nem normalizar nem justificar de forma alguma a violência de género.

O silêncio é sempre cúmplice da violência, assim como a passividade e/ou a rejeição deste tipo de violência beneficia sempre o agressor.

Se precisas de ajuda ou conheces alguém que precisa aqui ficam dois contactos de instituições que podem ajudar: 
P'ra ti Umar - Atendimento e Acompanhamento a Mulheres Vítimas de Violência
Apav - Apoio à Vítima

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