A boa menina

   



Ficou gravada a ferro e fogo na minha cabeça aquela professora da pré [1], na verdade ficaram gravada as suas palavras, as suas acções:  “Tens de ser uma boa menina e…” blá, blá, blá.

Para aquela professora (e para muitas outras pessoas) ser uma ‘boa menina’ era ser sossegada, sentar-me correctamente com as pernas fechadas, não falar muito, não sujar o vestido.. Resumindo ser limpa, quieta, submissa, dócil, assexual, obediente, silenciosa, passiva.. e fico por aqui!

Penso, que a todas nós, mais ou menos, já nos leram esta cartilha. Eu era demasiado curiosa para renunciar ao meu potencial, a minha vitalidade e energia. A minha maneira de ver as coisas.

Sempre tive dificuldade em ceder à pressão dos adultos para moldar o meu comportamento talvez porque sempre tive o apoio da minha mãe para ser como era. Como sou. Mas a nossa tendência é renunciar a quem somos porque temos medo da falta de amor e aceitação por parte dos seres a quem estamos ligadas emocionalmente. 

Contudo, todas nós, em maior ou menor medida, terminamos por ceder aqui ou ali e sermos domesticadas. Permitimos que nos digam o que fazer, quando e como. Algumas de nós deixamos de subir as árvores, outras deixamos de demonstrar o nosso descontentamento, a nossa raiva… e por vezes deixamos de ser quem somos e até de sentir.

Voltando a minha professora, ela insistia que eu tomasse como exemplo outras meninas da turma que tinham cedido mais rapidamente do que eu a ser ‘as boas meninas’. Havia dias nos quais pintava dentro das margens do desenho e que fazia as coisas como as outras meninas mas era tão aborrecido, tão descolorido não ser eu, que rapidamente a minha curiosidade corria livre e a professora me chamava a atenção. 

Confesso, que sempre tive dificuldade de esconder os meus dons e habilidades, dificuldade de não destacar pela simples razão de ser como sou, ou seja, de não ser um clone da ‘boa menina’ desenhada pelo pai patriarcado.

Houve dias nos quais consegui mas aprender a ser mais uma, era difícil. Aprender a ficar calada e não me expressar, era uma tarefa epopeica para mim.

Sei que esta renúncia interior é algo, que grande parte dos seres humanos, conseguimos fazer e fazemos. No caso de nós, mulheres, devido a educação que tradicionalmente temos recebido, e que é diferente da que é dada aos homens, quando renunciamos estamos a renunciar a algo muito importante: ao nosso corpomente.

A repressão sexual, o esconder a expressão do nosso corpo, é maior em mulheres do que em homens, principalmente quando entramos na puberdade. Aprendemos a encolher o corpo e deixamos de nos mover livremente para não chamarmos atenção sobre ele, porque isso não é de ‘boa menina’ e renunciamos também à nossa força física. E assim, vamos encolhendo o nosso espaço e silenciado a nossa voz para passar desapercebidas, para não destacar. Reduzimo-nos para sermos mais uma na manada das ‘boas meninas’ e já se sabe que as rebeldes, as activas, as respondonas não podem fazer parte do grupo assim como as talentosas, as comprometidas, as inteligentes e curiosas também não são bem aceites.

Tenho pensado muito nisto nos últimos dias, tenho observado as mulheres que povoam a minha vida e a mim mesma e a única maneira de nos transformarem em ‘boas meninas’ é reduzindo a nossa fonte vital, o caudal de energia que percorre o nosso corpo. Essa energia que se transforma em vontade de viver, de fazer coisas, de criar, de experimentar e crescer.

A melhor maneira de o fazer é controlando o nosso corpo e a nossa sexualidade. A sexualidade tem sido usada por diferentes culturas para hierarquizar, limitar e restringir as pessoas. Uma pessoa assexuada é uma pessoa desvitalizada, submissa ao poder exercido pelo poder.

No corpo feminino, numa perspectiva taoista, o útero é o primeiro motor energético do corpo da humana. Um órgão encarregado de distribuir a energia sexual (vital) pelo corpo.

Quando eramos meninas e nos rendemos ao modelo de ‘boa menina’, essa rendição teve um custo: a redução que brota do nosso primeiro motor energético e forma como o fizemos foi contraindo o músculo do útero. Assim, o nível de energia com o qual vivemos é menor o que nos deixa mais dóceis, submissas e passivas.

A consequência é tensão física, emocional e vital da musculatura pélvica e um músculo sem flexibilidade, tenso e contraído, que não se pode mover livremente provoca dor. Por isso é tão importante recuperar a consciência do nosso corpo e do nosso útero. O útero é um dos músculos mais poderosos do nosso corpo e que precisa de movimento para dar a luz, para limpar em profundidade mês a mês ou para ter prazer.

Temos sido ‘boas meninas’ mas só até agora!

Convido-te a caminharmos juntas e recuperar esses aspectos esquecidos/desconhecidos do funcionamento do nosso próprio corpo, do nosso ciclo menstrual e do nosso útero.

Vamos explorar juntas, com base cientifica e neuro-endocrinológica o funcionamento dos nossos órgão genitais internos, vamos explorar os elementos do nosso entorno e a nossa relação com os sons, a luz… vamos fazer juntas exercícios de relaxamento, de consciência corporal que nos permitam recuperar a harmonia interna que se rompeu por condicionantes educacionais/culturais, stress ou transtornos emocionais intensos.

Vamos criar uma nova manada, a manada das meninas livres!



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[1] Para situar-te no tempo: década de 80, eu tinha 4/5 anos e só andei um ano na pré num colégio religioso. 



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