As notícias mais recentes e mediáticas do nosso país mostram
o olhar velado sobre a violência de género/machista contra a mulher.
“Uma advogada que defendia uma mulher num processo por violência doméstica foi
morta de forma violenta pelo marido da cliente.“, esta noticia por exemplo não é analisada também pelos meios de comunicação, desde a perspectiva da violência de género e sim apenas mencionando os perigos aos que os advogadxs estão expostxs.
“Homem matou a sogra e
o uma tia da ex-companheira. Disparou também sobre a ex-mulher e a filha que
estão hospitalizadas.”, este homem continua a monte e os meios de
comunicação realçam o perigo para a população quando o alvo deste senhor é
apensa um: a ex-mulher. A sua “loucura” não o fez atirar no padeiro ou na
peixeira e sim na ex-mulher e nas mulheres próximas dela que provavelmente a
acolhiam e defendiam dele (a mãe dela, a tia e a filha). Se há uma lista, provavelmente será de pessoas que apoiavam a vítima e repudiavam a sua atitude de violência contra ela.
Sempre que ouço falar da violência de género, da violência contra as mulheres, é de
forma politicamente correcta ou cheia de panos quentes ou com um sentimento
paternalista (um dos piores sentimentos que podes ter frente a esta problemática)
… acho que esta forma de falar sobre esta problemática espelha a dificuldade
que a nossa sociedade tem em reconhecer que este conflito não é um conflito de
uma determinada família ou de um casal e sim um conflito de uma sociedade
inteira mas que não assume isso!
A violência de género é a
expressão mais extrema da discriminação que as mulheres sofrem e esta expressão
violenta de descriminação não é encarada como um problema colectivo e social e
sim individual… talvez seja assim encarado porque é demasiado complexo e não
logramos compreender as causas dessa violência e por isso socialmente
arranjamos desculpas para esta violência, basta estar atentxs aos meios de
comunicação e a sociedade que atribuem a violência de género a causas como a loucura,
as explosões emocionais, a episódios de transtornos psicológicos transitórios,
ao alcoolismo, as drogas… A tudo menos a realidade cultural, social, educativa
e inclusive religiosa em que vivemos.
Mas a verdade é que esse homem
com problemas depressivos que teve um surto de violência ou esse alcoólico que
se tornou violento não matou o porteiro nem o vizinho, matou a sua mulher!
Porquê?
Porquê?
Pensando nisto compreendi que
talvez para
que a sociedade compreenda as causas da violência contra as mulheres e perceba
que não é um problema individual e sim social (de todos) temos que quebrar os
silêncios (fala-se da problemática mas com silêncios), temos que nomear verdadeiramente
as coisas e deixar de as esconder.
Num primeiro momento as
mulheres escondemos as nossas histórias por medo ao agressor e depois por
vergonha, é fácil perceber esse sentimento de medo (somos vitimas de violência
e sentimos que ninguém nos protege), mas e a vergonha? Se somos vítimas porque é que
sentimos vergonha?
A complexidade do assunto
leva-me a outra pergunta para começar a desmaranhar esta minha reflexão: Porque é
que um agressor é capaz de maltratar e perpetuar os maus tratos?
Os motivos são claramente
culturais/educacionais e estão relacionados intimamente com a posição desigual
entre homens e mulheres ao longo dos tempos nas relações de casal e
essa posição desigual tem como consequência uma relação de poder, de abuso, de
controlo, ou seja, o agressor acredita que a vítima é de sua propriedade,
pertence-lhe e pensa que pode fazer com ela o que quiser. A mulher vítima de
violência de género transforma-se num objecto nas mãos de um agressor que
acredita que pode dispor da sua própria vida, da sua integridade, da sua
dignidade e tudo isto se prende intimamente com a educação que se proporciona
as mulheres… com a resignação (esse atributo “feminino”).
As mulheres somos educadas
para suportar e temos sido responsabilizadas pela qualidade das relações
afectivas e de casal. As mulheres sentem-se culpadas e isto é muito difícil de
compreender e de fazer compreender, porque
é que uma mulher além de se sentir vítima se sente culpada?
Sentem-se culpadas pelos
mesmos motivos que sentem vergonha… As mulheres sentimo-nos culpadas porque a
sociedade nos colocou nas mãos (e nas costas) a responsabilidade do êxito nas/das
relações afectivas… quantas vezes não ouvimos dizer que para que o casal
funcione tudo depende de que a mulher seja experta e habilidosa e saiba “levar
as coisas” ou seja saiba “levar o homem” e mante-lo satisfeito, realizado….
As mulheres temos sido
educadas para suportar e temos sido responsabilizadas do fracasso dos nossos
relacionamentos… por isso aguentamos situações humilhantes e de violência na
esperança de que algo mude, de que ele mude e que a relação funcione e assim
sermos aceites e “validadas” pela sociedade que espera que sejamos mulheres…
A partir destas características
e papéis de género definidos, encontramos mulheres vítimas de violência machista
que podem manter as suas relações devido aos padrões atribuídos ao seu género:
-por depender emocionalmente
dos seus companheiros (vinculando o apego e o enamoramento a novela romântica),
-por pena quando eles sofrem
algum problema (priorizando o cuidar do outro antes de si mesma),
-por pensar que há que
aguentar e ser forte (sobrevalorização da abnegação),
-por culpa e sensação de vazio
após a perda, etc.
Também relacionado com as
diferenças de género encontra-se a dependência económica, pois apesar de toda a
emancipação ainda há muitas mulheres que continuam afastadas do mercado laboral
para assumir o papel de cuidadoras/mães e por isso não se conseguem ver como
independentes para viver sem companheiro.
Na mulher maltratada a quotidianidade
é a violência. O tempo é marcado pela presença ou pela ausência de agressões. A
única realidade é a que é marcada pelo agressor e a realidade deste é um
sistema de crenças, de explicações de causas e consequências sobre os
acontecimentos quotidianos e os motivos que, na opinião dele, justificam a
violência exercida.
Os picos de maior violência, o
processo de desqualificação mantido, o reinício do ciclo de violência e a
confusão de emoções (surpresa, medo, culpa, vergonha) dentro de um entorno
isolado facilitam que a mulher (e a sociedade) acabe por assumir a realidade
que lhe é imposta pelo agressor.
Para a erradicação deste
problema social/global (não é um problema das mulheres ou dos casais/famílias,
é um problema de todos) devíamos agir desde diferentes áreas:
- Através da educação. Desde a
pré-escola até a educação de adultos, integrando programas de equidade entre os
seres humanos.
- Através dos meios de
comunicação. Os meios de comunicação deveriam de informar protegendo as vitimas
e isolando e repudiando o agressor.
- A sociedade em geral devia actuar
de forma solidaria com as vítimas, não minimizar nem normalizar nem justificar de
forma alguma a violência de género.
O silêncio é sempre cúmplice
da violência, assim como a passividade e/ou a rejeição deste tipo de violência
beneficia sempre o agressor.
Se precisas de ajuda ou conheces alguém que precisa aqui ficam dois contactos de instituições que podem ajudar:
P'ra ti Umar - Atendimento e Acompanhamento a Mulheres Vítimas de Violência
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